Duas horas
-Ah não, que demora, pfhh
Ouvia-se o monólogo impaciente da menina do outro lado da rua.
Eram onze horas e Alice estava esperando seu pai voltar do trabalho como todos os dias fazia para dar-lhe um grande abraço e um beijo afetuoso.
Aquela parecia ser mais uma de tantas noites para uma garota, filha única e órfã de mãe que era.Mas logo se provou que depois daquele acontecimento, sua vida ia mudar para sempre.
Luzes amarelas do metrô se acetinavam sobre o encalçamento de pedras sistêmicas esverdeadas onde a espera prosseguia.
A menina revezava-se entre as observações frequentes do relógio de pulso que usava e do local que seu pai costumava descer às dez horas e meia.
Sabia que o atraso de meia hora poderia significar qualquer coisa, até mesmo a perda do metrô ou simplesmente queria fazê-la uma surpresa, como em seu último aniversário, que atrasou-se exatamente meia hora. Sorriu dessa vez ao recordar-se a alegria que sentiu ao ver o pai escondido atrás de uma enorme caixa prateada que tampava-lhe o rosto, de onde tirou um lindo urso cor de pêssego, o seu melhor amigo desde então, Lacerote.
Sentou-se parecendo-lhe ver um redemoinho de vultos de passantes, o metrô indo e chegando,os ponteiros do relógio passando...Não tinha nem um celular para ligar para ele.Deitou a cabeça nas mãos ao lembrar que havia esquecido o seu celular em casa.
Pediu o celular emprestado para o segurança. Agora sua intolerância à espera tornou-se angústia e medo de ter acontecido algo muito grave ao pai, pois a discagem caiu na caixa postal.
Assim, Alice sentou-se novamente e começou a chorar e o segurança tentava consolá-la dizendo que ele já ia voltar. Uma velhinha que passava percebeu a dor da criança.
-Querida, o que aconteceu? Posso ajudar? Perguntou maternalmente.
-Não sei...fum.. é o meu pai, ele não..fumf, volta...fum, fum..
-Que horas ele disse que ia voltar, meu bem?
-Dez horas e meia.
-Ah,então é por isso. Dez horas e meia é agora.-Olhe!E mostrou-lhe seu relógio.
Com os olhos vermelhos e inchados,a menina levantou o rosto, enquanto contemplava em câmera lenta a imagem do pai descendo do metrô e acenando para ela.
Fora apenas um engano.Deu-se por si, o que a fez sorrir e correr para abraçar o pai.Seu relógio estava duas horas adiantado.
Suas lágrimas agora eram de felicidade e alívio.Sua vida desde então mudou para sempre, pois até hoje, quarenta anos mais tarde ela se recorda dessa experiência e ainda espera,mas dessa vez por seu amor que ainda não chegou.
Alice aprendeu a ter paciência para aguardar o tempo certo.Para ela, não é seu amor que tarda, mas seu relógio que pode estar duas horas ou até mesmo anos adiantado.
Karen Rocha