quarta-feira, 17 de junho de 2015

Uma hora





Uma hora

-Ah não, que demora, pfhh
Ouvia-se o monólogo impaciente da menina sentada num banco da estação de trem.
Eram onze horas da noite e Alice estava esperando seu pai voltar do trabalho como todos os dias fazia para dar-lhe um grande abraço e um beijo afetuoso.
Aquela parecia ser mais uma de tantas noites para uma garota de dez anos,  filha única e órfã de mãe que era.Mas logo se provou que depois daquele acontecimento, sua vida ia mudar para sempre.
Luzes amareladas dos metrôs se acetinavam sobre o encalçamento de pedras sistêmicas esverdeadas onde a espera prosseguia.
A menina revezava-se entre as observações frequentes do relógio de pulso que usava e do local que seu pai costumava descer às dez horas e meia.
Começou a racionalizar que o atraso de meia hora poderia ser normal,pois poderia significar a perda do metrô ou simplesmente a tentativa do pai em fazê-la uma surpresa, como em seu último aniversário, que atrasou-se exatamente meia hora. Sorriu dessa vez ao recordar-se a alegria que sentiu ao ver o pai escondido atrás de uma enorme caixa prateada que tampava-lhe o rosto, de onde tirou um lindo urso cor de pêssego, o seu melhor amigo desde então, Lacerote.
Sentou-se parecendo-lhe ver um redemoinho de vultos de passantes, os metrôs indo e chegando,os ponteiros do relógio passando...Não tinha nem um celular para ligar para ele.Deitou a cabeça nas mãos ao lembrar que havia esquecido o seu celular em casa.
Pediu o celular emprestado para o segurança. Agora sua intolerância à espera tornou-se angústia e medo de ter acontecido algo muito grave ao pai, pois a discagem caiu na caixa postal.
Assim, Alice sentou-se novamente e começou a chorar. O segurança tentou consolá-la dizendo que ele já ia chegar. Uma velhinha que passava percebendo a dor da criança indagou maternalmente:
-Querida, o que aconteceu? Posso ajudar? - enquanto entregava- lhe um lencinho para enxugar- lhe os olhos.
-Não sei...fum.. é o meu pai, ele não..fumf, volta...fum, fum.. Ele está atrasado uma hora! Resmungou abraçando Lacerote.
-Que horas ele disse que ia voltar, meu bem?
-Dez horas e meia.
-Ah,então é por isso. Dez horas e meia são agora.-Olhe!E mostrou-lhe seu próprio relógio.
Com os olhos vermelhos e inchados,a menina levantou o rosto, enquanto contemplava em câmera lenta a imagem do pai descendo do metrô e acenando para ela.
Correu para abraça- lo com lágrimas ainda caindo de seus olhinhos brilhantes.
- Está tudo bem bonequinha. Disse o pai percebendo o engano da filha. -  Não estamos mais no horário de verão. 
E tirando o relógio do pulso da menina,ajustou- o para uma hora mais cedo.
As lágrimas de Alice agora eram de felicidade e alívio.
Essa experiência fora um marco para ela, pois até hoje, quase trinta anos depois  ainda se recorda do que aprendeu. Ela decidira nunca mais murmurar pelo tempo que não compreende. E ainda espera e espera, mas dessa vez por seu amor que ainda não chegou.
Alice aprendeu a ter paciência para aguardar o tempo certo.Para ela, não é seu amor que tarda, mas seu relógio que pode estar uma hora ou até mesmo anos adiantado.

Karen Rocha






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