quinta-feira, 19 de maio de 2016





Um livro especial

Havia um mendigo que ficava sentado em frente a uma biblioteca pública. Algumas pessoas paravam e o lançavam uma ou algumas poucas moedas.
Esse homem paupérrimo estava acostumado a ser visto naquele ponto por anos a fio, mas não por um acaso. A verdade é que, mesmo não possuindo recursos ele era um amante aficionado por leituras.Era a única coisa que o fazia esquecer de sua condição e passar o tempo.
Sempre pegava um livro e o devorava em pouco tempo. Já havia lido mais de duzentas obras, dentre elas de Shakespeare, C. S Lewis,Victor Hugo, Charles Nodier e outros.
Um dia, ao dirigir-se ao balcão de atendimento da biblioteca, notou que havia uma nova funcionária. Ela era muito bonita:Estatura mediana, longos cabelos castanhos presos e olhos amendoados. Aparentava uns vinte anos e usava um curioso vestido dourado.
Como já havia pedido e usado sugestões de todos os outros servidores do local, achou que seria interessante perguntar a ela:
-Será que você poderia me indicar um bom livro?
A mulher examinando-o de cima a baixo disse:
-Eu estava mesmo te esperando. Venha.
O homem sem entender, seguiu a estranha.
Entraram numa pequena sala vazia, exceto pelos muitos livros localizados nas altas prateleiras de uma estante muito branca.
Subindo numa cadeira, a mulher retirou um grosso livro e o entregou. 
-Tome, este é o melhor que você pode ler na vida. 
Ao tomá-lo, o homem verificou que não havia título nele.
-Que estranho- Pensou- Mas mesmo assim quero saber o que esse livro tem de tão especial.
O mendigo curioso tremeu suas mãos, como sempre fazia quando ficava ansioso com alguma leitura.
Porém, não achou prudente abri-lo no momento. Quis esperar até ficar sozinho.Sua imaginação fluía melhor quando não havia companhia. Era o que pensava.
Então, quando o silêncio da noite abraçou as luzes artificiais da cidade, ele sentou-se numa praça pública e abriu o misterioso exemplar sem nome.
Mas tamanha foi sua surpresa quando viu que o livro estava completamente vazio.Nenhuma palavra ou gravura. Nada. Apenas folhas em branco.
-Isso não é livro. É uma espécie de caderno, sei lá. Acho que fui enganado- Resmungou o indigente.
E deitou a brochura num banco para usá-la como travesseiro.
-Pelo menos pode ter uma utilidade por esta noite- Disse ao encostar sobre ele a cabeça.
Percebeu, entretanto, que havia algo de irregular nele e sentiu-se incomodado. Por isso, lançou-o  ao chão reclamando indignado:.
E voltou a deitar de lado no banco.
-Eu acho que sem isso estou melhor- Balbuciou enquanto pegava no sono encarando o livro, como se estivesse discutindo com um ser inanimado por ter sido ludibriado.
Foi quando caiu uma caneta de dentro do exemplar que até então nem havia sido notada.
Mas o peso dos olhos fez com que adormecesse rapidamente, não podendo mais pensar em nada.
No dia seguinte,pegou algumas moedas e comprou um lanche simples para acalmar o estômago que já pedia socorro.
Depois voltou ao banco, retirou do chão o livro e a caneta que ainda estavam lá e retornou a biblioteca.
Imediatamente foi procurar a funcionária que havia iludido-o. Queria explicações plausíveis.
Procurou a mulher, questionando a todos os funcionários sobre ela. Mas, inexplicavelmente nenhum conhecia uma funcionária com as características descritas.
Ficou desolado. Será que imaginou ou que nenhum funcionário era bom fisionomista o bastante. 
"Como eles poderiam esquecer a aparência de uma colega? E talvez ele não trabalhe mais lá. Deve ter sido reprovada em algum teste de seleção para o cargo.Também, pudera. Ela é horrível. Nem sabe indicar uma leitura. Algo tão básico"- Ponderou.
Em seguida, sentou-se numa mesa. Colocou o estranho livro em sua frente e olhou-o de maneira ameaçadora. Como se toda a culpa devida da mulher estivesse sendo transferida para um objeto que não podia defender-se.
Levantou-se, deixando o livro ali, indefeso e sozinho. Depois sentiu compaixão. Já havia sido abandonado e julgado tantas vezes. Sentiu que não deveria fazer o mesmo com um conjunto de folhas reunidas que poderiam estar sentindo-se carentes.
"Se não sabem da existência daquela moça que é um ser vivo, imagina dessa criatura , que é uma espécie de árvore sacrificada processada. Não, ela não merece isso."- Refletiu seriamente.
E tomou de volta aquilo que não sabia como chamar agora, com sua fiel companheira, uma caneta.
"Acho que estou lendo demais. Estou até me apegando ao papel como se fosse minha própria família.
De repente, teve uma ideia.Parecia que os maiores escritores de todos os tempos saíram das prateleiras e sopraram forte em seus ouvidos.
"Escreva um livro"
-Sim, claro, por que não?- Respondeu ao invisível.
E abrindo o grande caderno com formato de livro começou a escrever nele com a caneta que já havia antes colocado no bolso da calça. 
Todos os dias entrava nessa mesma sala , abria o livro e trabalhava. Palavra por palavra remontava uma história de um  príncipe que conheceu a mulher de sua vida, se casaram e tiveram uma belíssima família.
Parecia um conto de fadas como qualquer outro, mas não era. Não para ele, pois sonhava mais que tudo em ser o príncipe da história.
E quando o mendigo escrevia a ultima frase de um enredo fascinante: "E viveram felizes para sempre"ele foi sugado pelo livro.
Agora, aquela era a sua história , fruto do que ele próprio escreveu.













Nenhum comentário:

Postar um comentário