quarta-feira, 27 de abril de 2016




A batata que não queria ser frita

Qual o destino de uma batata? Depende de seu captor. Se ele desejar pode usá-la num suflê, numa fornada com frango assado, cozida com almôndegas e ah sim, a preferida por muitos humanos e a mais temida por algumas batatas:batatas fritas! 
E se ela conseguir, ainda pode evitar de ser devorada por apreciadores da classe. 
Ah mas saibam que as mais espertas aprenderam ao longo do tempo a burlar o sistema e algumas assim escaparam com vida, mesmo perdendo algumas de suas partes. 
Uma vez uma delas destemperou-se ao ser levada na boca de uma criança. Como ela não sabia falar, chorou. A mãe não entendendo o que estava acontecendo, jogou fora a batata que comemorou feliz. 
Outra esfriou-se rapidamente no prato de um jovem num Fast Food. Ele nunca mais voltou nesse lugar, centro da vitória de uma guerra. 
Nesse cenário, havia uma batatinha que, embora jovem e inexperiente tinha muito desejo de jamais ser queimada.  Preferia ser afogada numa panela de legumes a ser frita com óleo quente numa frigideira qualquer. Essa dor parecia tão dilacerante que só de pensar perdia um pouco sua água e secava. 
Um dia foi comprada para um restaurante. Dentro de um saco num campo de concentração, ali estava ela, encolhidinha sob dezenas delas. 
-A medida em que suas amigas iam servindo aos seus propósitos, não podia dizer qual lhe era reservado. 
O restaurante fazia vários pratos, desde os mais simples aos mais sofisticados. 
Pensou em todas as técnicas aplicadas por outras, mas não sabia como usá-las.
"Por que não temos uma escola de batatas onde aprender as técnicas de sobrevivência usadas por nossos ancestrais? "-Pensou a batatinha. 
Sua ideia pareceu-lhe simplesmente brilhante naquele momento, mas pouco prática, pois sabia que não a salvaria. 
Lembrou-se então de todas as batatas que já haviam passado por essa ansiedade antes, seja não querendo ser frita, cozida ou assada e por fim sepultadas numa boca. Sentiu compaixão por todas elas. 
"Como elas sabiam? Como conseguiram estabelecer mecanismos de defesa se ninguém as ensinou? -Refletiu seriamente. 
Foi aí que como se um jato prateado entrasse em sua mente,  encontrou a solução :
"Sim, cada uma desenvolveu um método jamais ensinado numa escola formal porque somos batatas e cada uma reage de formas diversas ao meio em que vivemos. Eu por exemplo perco a minha água ao pensar que estou sendo frita."
-É ISSO, É ISSO-disse tão alto para as outras que poderia ser testemunha num tribunal que os humanos a ouviram. 
E começou a pensar incessantemente que estava prestes a ser frita. 
Suas reflexões doentias tornaram-se tão profundas quanto o saco em que estava. 
Cada conexão neurológica retirando dezenas de gotinhas de água do interior da batatinha. 
Restava -lhe pouco tempo. Seria uma das próximas a ser recolhida, mas continuou seu trabalho. 
Seria considerado loucura em outras circunstâncias, mas era agora sua única saída. 
Assim, o cozinheiro-chefe pegou-a. Seus olhinhos a focaram curiosos. Nunca havia visto uma batata tão seca. 
- De nada me serve essa-contou ao ajudante. 
E a batatinha foi lançada ao lixo. Foi aí que imaginou-se com asas, pois estava voando para a liberdade.  

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