A senhora da janela
Recanto era uma pequena cidade do interior e um prato de maledicências aos glutões do tempo.
Ambrosina morava nessa cidade. Todos os dias era vista com uma bolsa de remendos sentada na cadeira alta de frente a janela que dava para a rua principal.
Gertrudes, que era sua vizinha, dizia a todos que aquela mulher falava coisas horríveis e espalhava fofocas sobre eles.
Por isso os habitantes de Recanto não simpatizavam-se com Ambrosina.
Os transeuntes não a cumprimentavam e nem a atendiam quando ela os chamava. "Uma senhora que não sai da janela só pode estar fazendo fofocas mesmo"-pensavam. Mas a velha levantava sua bolsa ritualisticamente em sinal de resposta.
Um dia Ambrosina morreu.
Toda a cidade compareceu ao velório, mas apenas por uma crendice antiga que dizia que "seria levado a morte também quem não fosse ao velório de alguém".
No momento em que o caixão iria ser fechado, um deles, o policial que tinha revistado sua casa aproximou-se correndo e disse ofegante:
-Tenho uma declaração a fazer.
Todos o fitaram e ele começou:
- Essa senhora, essa senhora era boa.
Exclamações ecoaram-se ao ar livre.
E o homem prosseguiu.
-Ao longo das horas naquela cadeira, a senhora da janela fazia seus fuxicos e tricôs. Aos seus olhos, seus pontos representavam as estrelas tão categoricamente desenhadas e ilustres sobre o céu que a cobria.-Estão vendo esta bolsa? Era da senhora Ambrosina. Sabem o que tem aqui?
Olhos curiosos se cruzaram. Sempre quiseram saber o que ela guardava ali.
-Não sabemos o que esta bruxa fofoqueira guardava. Disse Gertrudes.
- Não fale assim-repreendeu-a sua filha. Ela está morta mamãe.
-Está certo. O que ela guardava ai?
- Panos velhos.
-E daí? -Disse o coveiro.-Vamos terminar logo com isso.
-Mas esses panos são especiais. São o conjunto de seu testamento.
-TESTAMENTO? Um coral foi ouvido.
-Sim. Em cada um desses panos tem o rosto tricotado de cada recantense, incluindo as crianças e embaixo o que ela deixou para cada um.
Todos se entreolharam pesarosos. Não tinham sido gentis com aquela mulher e agora ela estava retribuindo com o bem?
Mas antes de ler o testamento quero ler essa carta que também deixou:
Agora o silêncio reinava.
A carta explicava que um dia, há dois anos quando Ambrosina sentou na cadeira em que ficava sempre para ver as estrelas, seus músculos inferiores ficaram paralizados. Depois disso, ela nunca mais pôde sair dali. Alimentava-se das flores e frutas que podia apanhar estendendo as mãos em seu jardim que ficava de frente para a janela.
Falava de seu amor pelo seu Pai do céu e que um dia o encontraria. Também agradecia pela natureza tão linda incluindo as estrelas do céu e as da terra que eram aquelas pessoas que via diariamente embelezando sua vida.
Enfileiraram-se para receber cada um sua herança que incluía muitos bens materiais, como automóveis, casas, yates, apartamentos e lojas, pois para a surpresa de todos ela era muito rica.
O último pano lido foi o de Gertrudes.
-Para esta dou os meus maiores bens:As escrituras. Quero que se torne tão rica quanto eu.
O remorso estendeu-se tão intensamente pela cidade que ninguém ousou tomar posse de suas heranças, mas cada um as doou às instituições de caridade.
Apenas Gertrudes aceitou sua herança. E, depois de ler as escrituras diariamente tornou-se espiritualmente rica.
E nunca mais foram ouvidas fofocas em todo o Recanto.
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