A garota preguiça
A ociosidade era o grande defeito de Valda.
Ela era tão preguiçosa, mas tão preguiçosa que só tomava sopa no canudinho para não precisar mastigar.
Ah, acreditam que ela chegava ao cúmulo de dormir de roupa de sair para não ter de se arrumar no dia seguinte? E o banho? essa palavra causava-lhe calafrios, pois seja no frio ou no calor sempre se dizia "educadamente" indisposta.
Também para falar estava cansada, o que levava a interpretação por muitos de que era muda.
Por isso, quando perguntavam seu nome ela só respondia Val. Até sua assinatura tinha seu nome abreviado.
Mas ai é que residia o desafio:adivinhar o nome real da garota. Como recusava-se a falar, os palpites eram diversos:Valdirene, Valesca, Vanessa, Valéria, mas a verdade é que ninguém acertava seu nome de registro, tirando claro, a família.
Bom, mas entre nós um aparte,seu caso era digno de compaixão e estava cada vez mais grave.
Percebendo a situação, a mãe levou-a ao médico e na consulta explicou-lhe a situação:
-Minha filha não quer fazer nada...
O médico examinou-a, suspirou e foi procurar algo na gaveta.
-Hum, deixa eu ver. Está aqui. Vejamos-E abriu uma pasta de onde tirou uma folha toda rasurada, seus olhos percorrendo-a freneticamente.
-O que ela tem doutor? Perguntou a mãe impaciente.
- Não pode ser-Disse dessa vez mais para si.
-O que foi doutor? Continuou a mãe.
- Ela tem uma doença muito grave. Desculpe filha-Falou dirigindo-se a menina-mas você tem apenas um mês de vida.
-O que? Falou Valda pela primeira vez desde que entrou no consultório.
-Sim, você tem uma doença rara semelhante a um câncer. Ainda está em estudos, mas os cientistas a chamam de :Ociacitus mortalis. Tome esses comprimidos. Uma vez ao dia. Não prolongará seus dias, mas a ajudará a viver melhor.
-Como assim? Minha filha não pode morrer. Reagiu a mãe.
- Sinto muito. Sugiro que ela aproveite bem o tempo que ainda lhe resta.
Como um ato sem esforço, lágrimas desceram do rosto da garota enquanto mãe e filha saíram do hospital tentando digerir a informação.
Depois da revelação Valda decidiu seguir o Conselho do médico e foi aos poucos mudando.
Não tomava mais sopa, mas todo o tipo de comida mastigável que a mãe fazia. Agora dormia de pijamas e os banhos passaram a ser diários.
Ela também tornou-se muito comunicativa, revelando inclusive seu nome inteiro antes que a perguntassem.
Todos notaram que ela estava diferente e, apesar da sua expectativa de vida, estavam positivamente admirados com a mudança.
Um mês se passou e Valda continuava vivendo seu novo normal.
Mas ela nunca se sentiu tão bem, como se a morte estivesse compensando-a porque em breve a levaria.
E como seu remédio havia acabado, ela foi com a mãe procurar o médico para que ele a desse uma nova cartela.
- Não tenho mais remédio. Disse o doutor.
-Mas onde posso conseguir então? Quis saber a mãe.
- Você não vai precisar mais dele.
-Mas como não? - Interveio a menina-Escute doutor. Esse remédio me mudou completamente. Nunca me senti tão feliz quanto agora, mesmo sabendo que em breve vou partir. Ele está me ajudando a ter os melhores dias da minha vida.
- Você não tomou nada.
- Não, doutor.-Agora foi a mãe que disse-Eu estava lá. Eu mesma ministrei o remédio a minha filha. Ela tomou tudo.
-Vocês não estão entendendo. O que eu a dei foi apenas pastilhas açucaradas para crianças. Não causou nenhum efeito.
- Você o que? Perguntou a mãe confusa.
Então Valda repousando sua mão sobre a mão da mãe para acalmá-la tentou ela mesma entender e disse:
-Mas eu vou morrer e...
- Você não vai morrer. -Tranquilizou-a o médico.
Então as duas indagaram quase simultaneamente:
-"O senhor mentiu? "
- Não, eu falei a verdade. Eu disse que a Valda morreria em um mês e hoje estou presenciando aqui em minha frente uma outra Valda.
Três sorrisos se cruzaram seguidos de boas risadas, como se uma bela piada tivesse sido contada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário