quinta-feira, 21 de abril de 2016




Quem culpa o velotrol?



Era um sábado de inverno cinzento e Giane estava na sala de estar. Haviam tantos adultos com suas conversas enfadonhas a sua volta que ela não via outra alternativa senão procurar um meio de divertir-se consigo mesma. A solidão pode ter suas facetas positivas, inclusive o convite à criatividade. 
Seu olhos amendoados percorrendo pela casa pararam de repente. Ela teve uma ideia que poderia ser insignificante, mas não foi o que pensou. 
Havia um velotrol antigo que pertencera a sua irmã mais nova. Ele estava parado ali,sob escombros debaixo da escada e pareceu chamá-la. 
Retirou-lhe e observou que era bem pequeno. Examinou-o e viu que no Guidon havia um pequeno buraco onde antes encaixava-se uma borracha em que uma mão se apoiaria. E ficou brincando de colocar e tirar seu dedo indicador dentro dele, mas ao tentar tirar pela terceira vez ficou entalado. 
Foi até a sala e pediu ajuda para os adultos. Tentativas para arrancá-lo foram feitas: usou-se a força e também o jeito, depositando óleo de soja mas nenhuma delas logrou o êxito de mover o pobre dedinho. 
Ao contrário, na medida em que Giane ficava nervosa com a situação,o dedo engrossava, além das circunstâncias do que seria normal para um sangue que se encontra estancado. 
-GANGRENA. Seu cunhado ponderou alto. 
--O que? A menina perguntou. 
-Se não tirarmos logo seu dedo o sangue ficará preso e ele terá que ser amputado. 
-Amputado? Sua mãe interveio.-O dedo da minha filha não vai ser arrancado. Vamos ao médico rápido. 
Dessa vez a menina pôs-se a chorar e foi aquela confusão. Sua irmã tentando consolá-la enquanto colocava seus sapatos para irem ao hospital. 
- Não vai acontecer nada. Ele só está brincando. 
- Não estou não. Retrucou o cunhado. 
Em sua cabeça agora a angústia de ficar sem o dedo foi substituído pela dúvida. Mas preferiu apegar-se a última que trazia de alguma forma esperança. 
E a pedido da mãe a menina saiu com a irmã e o cunhado com destino ao hospital mais próximo. 
Ao tentar passar pela catraca do ônibus, precisou da ajuda do cobrador. Mas a menina ficou constrangida quando um garotinho choroso pedia a sua mãe que lhe desse aquele brinquedo. 
Naquele dia a fila dos doentes estava grande. 
E, depois de duas horas de uma espera aflita eles entraram finalmente no consultório.
O doutor aproximou-se e examinou o dedo da menina.Depois afastou-se com o cunhado para dizer-lhe algo.
Ao retornar deu a notícia:
-Receio que terei que cortar.
-O que? Meu de- de dinho? - gaguejou Giane.
- É o que falei. Seu dedo vai ser arrancado, cortado fora, mas você tem os outros nove nas mãos. Você não vai precisar desse. -Falou o doutor objetivamente.
Em seguida, ligou uma serrinha enquanto a menina fechava os olhos.
"Estou perdida. "Disse a si mesma. "Nunca imaginei que... "
Mas seus pensamentos foram interrompidos pelo mutilador. 
-Pronto, acabou. 
-Aca-bou? Perguntou uma menina soluçante arregalando os olhos.
-Tivemos que cortar o plástico e seu dedo vai ficar novinho. Só precisará ir colocando gelo agora. 
-Ahhh-suspirou Giane sem entender.
Mas o doutor explicou sorrindo- Não sou médico, mas sim dentista e a serrinha que usei é de obturação.
E a menina censurou a peça do cunhado e do dentista, enquanto ria aliviada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário