quinta-feira, 21 de abril de 2016


Sopa de letrinhas

Um jovem sábio passava tranqüilamente por uma ponte, quando viu um velho tentando se atirar. Então, se aproximou dele e implorou para que desistisse da ideia. 
-Dê-me um motivo -pediu o velho. 
E o rapaz respondeu-lhe:
-Se te atirares, eu também pularei e morrerei contigo. 
Mas o velho dando de ombros sem acreditar movimentou em sinal negativo a cabeça. 
-Ah, então duvidas? Tente e verás se não sou capaz. Mas além de teu corpo ser lançado ao mar, será ainda mais a tua alma culpada de duas sepulturas. 
E o velho balbuciou:
-Talvez estejas ainda mais louco que eu. 
Mas o jovem prosseguiu:
-Não há motivos suficientes para a alma pequena continuar vivendo. Mas a alma grande deita sobre o sol e não se queima.
-Como assim? Quis saber o velho agora choroso. O que estás dizendo? Quem és tu? 
E respondendo o sábio disse:
-Uma resposta para cada pergunta. Terás todas no momento certo. E entregou-lhe um pacote explicando:
-Vá ao local em que moras, o azilo em que te sentes agora abandonado e faça esta sopa  que refrescará tua visão. 
E o velho deu uma leve estremecida quando o rapaz adivinhou o real motivo da tentativa de suicídio :morava num azilo e sentia-se imprestável, solitário no mundo, abandonado porque sua única família, sua mãe já não existia e não tinha amigos, por isso não via motivos para viver. 
Enquanto sua mente recapitulava essas ideias, ficou imaginando como aquele rapaz sabia, como se pudesse ler-lhe a mente. E parou de pensar para esconder seus maiores medos daquele estranho na noite. 
Apenas fez exatamente o que lhe foi sugerido:
- Essa pode ser minha última tentativa-pensou enquanto preparava a sopa de letrinhas -se não der certo... Ah, se não... E parou de pensar novamente porque pareceu-lhe que de alguma forma aquele rapaz continuava traduzindo seus pensamentos. 
Tomou uma concha da sopa e a pôs num prato de alumínio. Ela parecia tão quente e oleosa, como se fosse unta-lo para a morte. 
E sentando-se numa cadeira com uma colher, engoliu um bocado. De repente as letras começaram a embaralhar-se e formaram uma frase. 
"Eu te amo"
Esfregou os olhos pensando que pudesse estar muito cansado ou muito velho. 
Mas a sopa continuou:
"Por que duvidas? "
Dito isto, o velho foi sugado para dentro do prato quente e pousou num local que lhe pareceu muito familiar. Nele havia bondes, pessoas muito bem vestidas, músicas adoráveis e... 
-Espere-eu me sinto tão diferente, essas pessoas, essas ruas, eu conheço, sim, eu vivi aqui há...há cinquenta anos atrás?! -Sim, eu entendo, eu estou no meu passado! 
Depois desse diálogo interno ele correu para a garçonete da lanchonete por quem na época era apaixonado e falou a ela em alta voz pegando-a pelo braço:
-Eu estou de volta, estou de volta. Tive uma segunda chance! 
E a moça sorrindo mesmo sem entender pediu-lhe que explicasse melhor. 
Depois que o rapaz contou-lhe tudo, declarou seu amor a ela. Logo eles se casaram e tiveram uma grande família. 
Cinquenta anos depois... 
Muitos amigos e uma grande família estava sendo convidada para as bodas de Ouro de um velho rico e feliz. 
Na ocasião sua esposa perguntou:
-Já sabe quem era o jovem que te deu uma nova oportunidade e que afirmou te amar? 
- Sei sim-respondeu-era eu mesmo.  Somente nós podemos conceder-nos novas chances porque somos detentores de nosso arbítrio. O meu amor próprio, mesmo que eu não o reconhecesse foi capaz de me salvar. 
Parabéns -disse a esposa sorridente. -Eu sempre confiei em sua sabedoria! 
E o casal voltou para a festa mais feliz do que nunca... 

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