quinta-feira, 21 de abril de 2016





Exterminando a matemática

Ao iniciar o ano letivo, a turma do terceiro ano recebeu sua primeira professora na sala, dona Margarida. Ela era uma mulher de meia idade, com seus oclinhos teimosos em apontar para baixo.
As crianças não tinham recebido o currículo do semestre, por isso não sabiam o que ela lecionaria. 
E a professora iniciou sua aula. Com a voz esganiçada, mas baixa, disse:
-Um e um não são dois. Eu vou provar através de um teorema que criei. 
Bocas e olhos arregalaram-se como ecos por toda a sala. 
Agora eles sabiam o que ela ensinaria:matemática. 
E ela seguiu:
-A matemática é exata, mas se nós entendermos como exata uma fórmula pronta, indefinida como as cores de uma libélula em formação, corremos o risco de não a vermos desabrochar como uma borboleta e ela nunca ganhará asas. 
Alguns alunos já começavam a bocejar e deitar nas carteiras, revelando suas desaprovações à explicação. 
Mas ela prosseguia mais animada como se o tédio a alimentasse. Uma contradição que poderia beirar à loucura sob a égide psicológica. 
-Por centenas de anos, os cientistas se empenharam em investigar o mundo, mas sob o ponto de vista deles. E hoje muitas de suas teorias são em parte ou no todo refutadas por pesquisas seguras. Se eu repito o um duas vezes será ele mesmo. 
-Mas isso seria divisão e não adição professora. Interrompeu-a Suzana, a aluna intelectual da primeira fila. 
-Mas eu estou falando sobre o mesmo número. O um mais o um mesmo é ele mesmo. Agora se eu disser. Um, mais o outro um dai é correto dizer que são dois. A dificuldade em entender matemática começa na maneira em que ela é transmitida. E vamos mudar a partir de agora nossa maneira de falar. 
E logo ela havia transformado a aula numa espécie de quartel nazista empenhado em destruir toda a forma de nomenclatura impura dos números.
Foi então que Renan, o menino quieto que se sentava no fundo levantou a mão e a professora deu-lhe permissão para falar. 
-Professora, eu também formulei um teorema. 
-Ah, que ótimo! Pode então vir ao quadro mostrar? Sugeriu dona Margarida. 
E o menino, dirigindo-se a frente, escreveu:
"Professora Margarida- Matemática=filosofia."
E sublinhou a última palavra. 
A professora pôs-se a chorar. Mas o garoto sentiu-se tão culpado que pediu desculpas e a abraçou. 
Mas ela disse enquanto secava os olhos com a blusa. 
- Não, querido, eu estou chorando de emoção porque você é o único que percebeu nessas duas horas de aula que sou professora de filosofia. Obrigada! Disse com a voz embargada enquanto devolvia o abraço. 

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